Nossos sonhos são ilusões.
Poucos podem dizer que conseguiram cumprir seus propósitos, que conseguiram fazer o que queriam quando a inocência ainda era permitida. Aquele sonho de ser um aviador, um astronauta, um cantor, até mesmo um escritor, se dissipou pelas necessidades mundanas.
Contas começaram a chegar, festas começaram a exigir participação, pessoas começaram a fazer com que o sonho parecesse uma besteira, o dinheiro e as posses se tornam um problema. Então, o aviador se tornou mais um advogado, o astronauta se tornou mais um engenheiro, o cantor mais um contador e o escritor, este deve ter virado professor ou terminado como analista de “algo”.
Tudo aquilo que pairou em nossas cabeças, todos aqueles “ses” jamais conhecidos, foram, aos poucos, esquecidos.
Gosto de Bukowski por isso. Ele foi verdadeiro consigo mesmo e seguiu seu sonho até o fim, independente do custo, independente das dificuldades que teria que passar. Viveu tudo que escreveu e escreveu tudo que viveu, mesmo não sendo nada agradável, as vezes.
Morando em Los Angeles, terra de estrelas e artistas, habitava cômodos mofados e baratos. Trabalhava em vários empregos sem futuro (os famosos dead-end jobs), odiando cada dia como se fosse o primeiro de uma tortura interminável. Saia com as piores mulheres e as prostitutas mais baratas, só para saciar seus desejos. Vivia apostando o parco dinheiro que sobrava em corridas de cavalo e bebendo sem parar as bebidas mais baratas.
Em sua casa residia sua fuga: a máquina de escrever.
Enquanto os outros operários se enebriavam um pouco mais, Bukowski parava alguns instantes para cuspir nas páginas um pouco do veneno que levava consigo, sempre acompanhado de fumo e de “álcool”.
Bukowski, apesar de querer viver da escrita, viveu mais da metade de sua vida escrevendo e nada recebendo. Escrevia pois aquilo era pungente, algo que vinha de dentro e precisava sair, fosse o que fosse. Não escrevia por carros, por fama, por dinheiro. Nesse ínterim, trabalhava em fábricas ou no serviço de correio, observando seu entorno e absorvendo aquilo para si.
Bukowski armazenou a última fagulha dentro de si, aguardando o momento certo de acendê-la e queimá-la. Não importava quando, nem como, mas sabia que em algum momento algo aconteceria, por isso se preparava. E se não acontecesse, pouco importava também. Sabia que, se não tivesse tentado, não teria conseguido, de qualquer forma.
Foi só em 1969 que, convencido da qualidade artística do trabalho do velho Hank, John Martin, fundador da editora Black Sparrow Press, ofereceu a Bukowski sua grande tacada.
Uma oferta: pagar 100 dólares por mês a Bukowski pelo resto de sua vida, na condição única de só trabalhar escrevendo e se demitir de seu trabalho nos correios. Viver a vida de escritor, full time.
Bukowski aceitou, quando já tinha 49 anos. Logo em seguida saiu uma de suas mais famosas novelas (post office), que abriria caminho para a grande quantidade de escritos que Bukowski viria a publicar em vida.
Apesar de todas as dores e dificuldades, Bukowski permaneceu, até que sua fagulha incendiou toda a floresta, permitindo que seu sonho se tornasse realidade e fosse possível enxergar adiante.
Bukowski passou quase 50 anos sem certezas, sem regalias, para poder cumprir seu destino, ou, pelo menos, o destino que havia traçado, sonhado para si.
Você leitor, conseguiria esperar?
Abraços, e um ótimo domingo.
Spark by Charles Bukowski
I always resented all the years, the hours, the minutes I gave them as a working stiff, it actually hurt my head, my insides, it made me dizzy and a bit crazy — I couldn’t understand the murdering of my years yet my fellow workers gave no signs of agony, many of them even seemed satisfied, and seeing them that way drove me almost as crazy as the dull and senseless work. the workers submitted. the work pounded them to nothingness, they were scooped-out and thrown away. I resented each minute, every minute as it was mutilated and nothing relieved the monotony. I considered suicide. I drank away my few leisure hours. I worked for decades. I lived with the worst of women, they killed what the job failed to kill. I knew that I was dying. something in me said, go ahead, die, sleep, become them, accept. then something else in me said, no, save the tiniest bit. it needn’t be much, just a spark. a spark can set a whole forest on fire. just a spark. save it. I think I did. I’m glad I did. what a lucky god damned thing.
Tradução do Poema
Para não ser necessário colocar no Google tradutor, farei, sempre que possível, a tradução do poema.
Desconsidere pequenos erros, pois não sou tradutor profissional.
Também, as vezes, o poema pode não ter uma sonoridade tão boa em português, já que foi escrito em outra língua, mas fica a tentativa.
Centelha por Bukowski
sempre ressenti todos os anos, todas as horas, todos os minutos que dei a eles como trabalhador, na verdade, doía minha cabeça, meu interior, me deixava zonzo e um pouco maluco - eu não entendia o assassinato dos meus dias ainda assim, meus companheiros de trabalho não mostravam sinais de agonia, muitos pareciam satisfeitos, e vê-los daquele jeito me deixava tão louco quanto o trabalho entediante e sem sentido. os trabalhadores se submetiam. o trabalho os rebaixava ao nada, eles eram sugados e descartados. eu ressentia cada minuto, cada minuto conforme era mutilado e nada aliviava a monotonia. eu considerei suicídio, me enebriei em minhas poucas horas livres. trabalhei por décadas. vivi com as piores mulheres, elas mataram aquilo que o trabalho falhou em matar. eu sabia que estava morrendo. algo em mim dizia, vá, morra, durma, se torne um deles, aceite. então, algo em mim disse, não, guarde uma pequena parte. não precisa ser muito, só uma centelha. uma centelha pode colocar fogo em uma floresta inteira só uma centelha. guarde-a. eu acho que consegui. estou contente que consegui. que porcaria de sorte.
Bukowski foi uma de minhas maiores descobertas literárias, depois que descobri, por acaso, o velho safado, a minha relação com o texto e a palavra escrita mudou radicalmente. Se quiser gastar um tempinho :
https://amarretadoazarao.blogspot.com/2020/08/o-ano-em-que-conheci-bukowski.html
Olá Marreta, como vão as coisas?
Por acaso do destino, já havia lido seu texto. Vi agora que foi escrito em 2020, em agosto. Acho que esbarrei no blog do Marreta no início desse ano (2021) e acabei lendo vários textos antigos, entre eles este que você me enviou .
Fiz uma releitura agora de tarde e lembrei como foi interessante sua história com o Café.
Eu, tomo café desde pequeno (13 anos acho, não saberia dizer), sempre puro, sem açúcar, leite ou adoçante. Hoje, acho que já estou meio viciado, tomo algumas doses meio cavalares ,as vezes, parando quando começo a dar umas trepidadas de tanta cafeína na veia.
Mas minha história com álcool é parecida com a sua do café. Só vim beber por volta de 23 anos. Havia provado quando menor e achado uma porcaria. Não sabia o por que tomavam aquela merda e diziam que era bom. Um dia, resolvi reparar nos bebuns e, pareciam felizes. Entendi que tomavam para esquecer, e comecei a usar álcool como algo terapêutico, diria, para relaxar, mas sem extrapolar demais até parecer deselegante.
Interessante também seu Deja Vù para com o livro de Bukowski. Dele eu li muitos poemas, principalmente. Novelas li somente notes of a dirty old man e Women (notas de um velho safado e mulheres, creio, em português). Teria alguma indicação para a próxima??
Abraços.
O “Numa Fria” é uma pedida interessante.
Vou anotar na minha lista de livros!!!!
Obrigado pela dica, Marreta.
Olá, Mago.
Eu quis ser: jogador de futebol profissional, astronauta e, por fim, escritor. Não acertei em nenhum sonho. Hoje, sou apenas mais um do povo, um zé ninguém na fila do pão. Mas afirmo que estou de boa com isso, igual ao amigos anônimos de Bukowski. E posso achar que sou um escritor porque a Amazon me deixa publicar e vender livros em sua plataforma. Rs
“Contas começaram a chegar” e não pararam mais. Sobre compromissos, detesto essa obrigação social. Mas quase toda semana estou em alguma reunião, jantar ou aniversário. Detesto, mas faz parte e no final acabo aproveitando.
Aprendi agora a palavra/expressão dead-end job. Desconhecia.
Ótimo post, quase poético, sobre a vida do putanheiro. Não sou afim com sua obra, mas está naquela lista mental de algo a se colocar em dia.
Você pode não ser tradutor profissional, mas a tradução ficou ótima. E, aliás, o que seria tradutor profissional nos dias de hoje?
Poema belíssimo. De início, de amargura; e, ao final, de realização. Que coisa linda. Mas ainda fica aquele “quê” de ressentimento, ao final, por ele precisar resistir tanto e seus amigos terem se conformado com tão pouco, com o banal do dia a dia. E viverem felizes assim.
“vivi com as piores mulheres”… E quem nunca?
Abraços!!!
Azar de quem nunca viveu com as piores mulheres, meu caro, azar de quem…
Olha, Marreta, ando endossando o pensamento MGTOW há um tempo (depois confere o que esses caras pensam). Não totalmente, porque sou velho demais pra mudanças e gosto de ter família etc. Mas, em regra, vínculo duradoura com mulheres só traz mais estresse do que benefícios. Se eu voltasse no tempo, evitaria 90% das mulheres com quem mantive algum relacionamento mais sério.
Olá, Neófito e Marreta.
“Não acertei em nenhum sonho. Hoje, sou apenas mais um do povo, um zé ninguém na fila do pão.” Todos somos, creio. Também escolhi muitos sonhos e não consegui ir atrás de nenhum com sucesso, alguns por que era inapto, outros por que me faltou ânimo e motivação, alguns por que não acreditei em mim até o fim. Acho que temos que ficar de boa mesmo com quem nos tornamos, a pior coisa é o martírio pelo que já passou, isso me assola as vezes.
Também detesto compromissos sociais, principalmente reuniões. Felizmente, tenho poucas para aturar.
“…a tradução ficou ótima”. Obrigado pelo elogio. Acho que tradução é uma coisa difícil, as vezes é preciso procurar as palavras para manter a construção e a rima, me referia a isso quando disse para que relevassem erros, pois não estava indo muito profundamente nisso, só fazendo uma tradução imediata, as famosas traduções feitas pelo autor, que pairam em alguns livros por aí.
Quanto as mulheres……as vezes as piores são as melhores (heheheh)
Quanto ao MGTOW: nunca fui muito fundo nisso, mas acho que têm algum sentido, deixar de lado essa gadice que os homens de hoje em dia vivem para dar prioridade a evoluir mental, física e espiritualmente. Só não acho prudente ir muito longe e virar um extremista, como aqueles caras que não querem se relacionar com mulher alguma.
Se quer só se divertir, a maioria das vezes é mais fácil pagar uma profissional.
Se achou alguém nesses 10% que valem a pena, é uma boa pensar se não vale a pena também manter o relacionamento e formar uma família.
Pode até dar errado, mas o que é a vida se não um emaranhado de erros?
Abraços!!
“ a pior coisa é o martírio pelo que já passou, isso me assola as vezes.”
Isso é natural. Deve assombrar qualquer pessoa mentalmente sã, às vezes. O problema é se se tornar uma constante, aquela cobrança vazia, todos os dias, impedindo que se goze o dia a dia banal, o qual é bom. É a vida…
Compromissos sociais ficam mais intensos quando casamos e procriamos. Desde o ano passado, felizmente, não temos eventos escolares, como festinhas, teatrinhos, danças etc. Nem minha filha sente falta disso.
Sobre mulheres… Olha, até hoje só conheci um unicórnio. Namorei com ela por quatro anos. Mas, estupidamente (a culpa foi toda minha), perdi tudo devido à minha carne fraca. Sigamos.
Tenho dois amigos “extremistas” e, reconheço, estão mal psicologicamente. Vivem sós. Têm problemas sérios com mulheres. Difícil. Não aceitaram as dificuldades da vida. São dois Peter Pan. Mas, claro, poderiam estar fodidos, igualmente, se tivessem acompanhados por más mulheres. De resto, torço para esse movimento crescer, ao menos como forma de evidenciar o manginismo e a gadice. Veio como contraponto ao vaginocentrismo estatal.
A vida, meu caro… é esse troço aí. rs
Abraços!
Rapaz, nunca tinha ouvido falar. Vou dar uma olhada.
li a pequena autobiografia que esse doidão escreveu
ele teve uma vida de bosta desde cedo com familia problematica e prefiria vadiar a, sei lá, procurar oportunidades melhores enquanto era jovem.
a sorte dele é nao vivido essa vida antes do aparecimento da aids, caso não seria mais um anonimo.
escrever devia ser legal no passado, quando haviam leitores, hehe
Bukowski era realmente um “doidão” e, apesar da vida dele ter sido uma bosta (no sentido de vida ruim que damos hoje), ele teve muito mais experiências que muita gente que vive bem atualmente.
creio que seus principais problemas eram os vícios, como a bebida, apesar deles terem anestesiado, creio, a vida difícil da época.
Penso que, em termos de viver e agir, provavelmente ele não seja o melhor exemplo humano, mas toda fruta têm o sumo por trás da casca e sempre é possível extrair algo de bom até do pior indivíduo para melhorar a nós mesmos.
“escrever devia ser legal no passado, quando haviam leitores, hehe” Deve ter sido um bom tempo, de fato.
Além disso, acho difícil existir um cara tão feio e fodido que traçou tanta mulher, se fosse nos dias de hoje ele viveria no ostracismo. (hehehe)
“cara tão feio e fodido que traçou tanta mulher” cara, tem muita mulher ferrada, feia, pobre e carente (assim como homens).
imagine os bares na favelas – não são diferentes dos bares das areas ricas
a unica diferença é que rico tem dinheiro pra perfume, consertar os dentes e fazer dieta/musculação
psicologicamente é tudo igual
Bukowski pegava as mais feias, eu acho
devia encher a cara e mandar ver, hahahahaha