Spark-Charles Bukowski

Nossos sonhos são ilusões.

Poucos podem dizer que conseguiram cumprir seus propósitos, que conseguiram fazer o que queriam quando a inocência ainda era permitida. Aquele sonho de ser um aviador, um astronauta, um cantor, até mesmo um escritor, se dissipou pelas necessidades mundanas.

Contas começaram a chegar, festas começaram a exigir participação, pessoas começaram a fazer com que o sonho parecesse uma besteira, o dinheiro e as posses se tornam um problema. Então, o aviador se tornou mais um advogado, o astronauta se tornou mais um engenheiro, o cantor mais um contador e o escritor, este deve ter virado professor ou terminado como analista de “algo”.

Tudo aquilo que pairou em nossas cabeças, todos aqueles “ses” jamais conhecidos, foram, aos poucos, esquecidos.

Gosto de Bukowski por isso. Ele foi verdadeiro consigo mesmo e seguiu seu sonho até o fim, independente do custo, independente das dificuldades que teria que passar. Viveu tudo que escreveu e escreveu tudo que viveu, mesmo não sendo nada agradável, as vezes.

O velho Hank e seu cigarro.

Morando em Los Angeles, terra de estrelas e artistas, habitava cômodos mofados e baratos. Trabalhava em vários empregos sem futuro (os famosos dead-end jobs), odiando cada dia como se fosse o primeiro de uma tortura interminável. Saia com as piores mulheres e as prostitutas mais baratas, só para saciar seus desejos. Vivia apostando o parco dinheiro que sobrava em corridas de cavalo e bebendo sem parar as bebidas mais baratas.

Em sua casa residia sua fuga: a máquina de escrever.

Enquanto os outros operários se enebriavam um pouco mais, Bukowski parava alguns instantes para cuspir nas páginas um pouco do veneno que levava consigo, sempre acompanhado de fumo e de “álcool”.

Bukowski, apesar de querer viver da escrita, viveu mais da metade de sua vida escrevendo e nada recebendo. Escrevia pois aquilo era pungente, algo que vinha de dentro e precisava sair, fosse o que fosse. Não escrevia por carros, por fama, por dinheiro. Nesse ínterim, trabalhava em fábricas ou no serviço de correio, observando seu entorno e absorvendo aquilo para si.

Bukowski armazenou a última fagulha dentro de si, aguardando o momento certo de acendê-la e queimá-la. Não importava quando, nem como, mas sabia que em algum momento algo aconteceria, por isso se preparava. E se não acontecesse, pouco importava também. Sabia que, se não tivesse tentado, não teria conseguido, de qualquer forma.

Foi só em 1969 que, convencido da qualidade artística do trabalho do velho Hank, John Martin, fundador da editora Black Sparrow Press, ofereceu a Bukowski sua grande tacada.

Uma oferta: pagar 100 dólares por mês a Bukowski pelo resto de sua vida, na condição única de só trabalhar escrevendo e se demitir de seu trabalho nos correios. Viver a vida de escritor, full time.

Bukowski aceitou, quando já tinha 49 anos. Logo em seguida saiu uma de suas mais famosas novelas (post office), que abriria caminho para a grande quantidade de escritos que Bukowski viria a publicar em vida.

Apesar de todas as dores e dificuldades, Bukowski permaneceu, até que sua fagulha incendiou toda a floresta, permitindo que seu sonho se tornasse realidade e fosse possível enxergar adiante.

Bukowski passou quase 50 anos sem certezas, sem regalias, para poder cumprir seu destino, ou, pelo menos, o destino que havia traçado, sonhado para si.

Você leitor, conseguiria esperar?

Abraços, e um ótimo domingo.


Spark by Charles Bukowski

I always resented all the years, the hours, the
minutes I gave them as a working stiff, it
actually hurt my head, my insides, it made me
dizzy and a bit crazy — I couldn’t understand the
murdering of my years
yet my fellow workers gave no signs of
agony, many of them even seemed satisfied, and
seeing them that way drove me almost as crazy as
the dull and senseless work.
 
the workers submitted.
the work pounded them to nothingness, they were
scooped-out and thrown away.
 
I resented each minute, every minute as it was
mutilated
and nothing relieved the monotony.
 
I considered suicide.
I drank away my few leisure hours.

I worked for decades.
 
I lived with the worst of women, they killed what
the job failed to kill.
 
I knew that I was dying.
something in me said, go ahead, die, sleep, become
them, accept.

then something else in me said, no, save the tiniest
bit.
it needn’t be much, just a spark.
a spark can set a whole forest on
fire.
just a spark.
save it.
 
I think I did.
I’m glad I did.
what a lucky god damned
thing. 

Tradução do Poema

Para não ser necessário colocar no Google tradutor, farei, sempre que possível, a tradução do poema.

Desconsidere pequenos erros, pois não sou tradutor profissional.

Também, as vezes, o poema pode não ter uma sonoridade tão boa em português, já que foi escrito em outra língua, mas fica a tentativa.

Centelha por Bukowski

sempre ressenti todos os anos, todas as horas,
todos os minutos que dei a eles como trabalhador,
na verdade, doía minha cabeça, meu interior,
me deixava zonzo e um pouco maluco - eu não entendia 
o assassinato dos meus dias
ainda assim, meus companheiros de trabalho não mostravam sinais de agonia, muitos pareciam satisfeitos, e
vê-los daquele jeito me deixava tão louco quanto o
trabalho entediante e sem sentido.

os trabalhadores se submetiam.
o trabalho os rebaixava ao nada, eles eram
sugados e descartados.

eu ressentia cada minuto, cada minuto conforme era
mutilado
e nada aliviava a monotonia.

eu considerei suicídio,
me enebriei em minhas poucas horas livres.

trabalhei por décadas.

vivi com as piores mulheres, elas mataram
aquilo que o trabalho falhou em matar.

eu sabia que estava morrendo.
algo em mim dizia, vá, morra, durma, se torne
um deles, aceite.

então, algo em mim disse, não, guarde 
uma pequena parte.
não precisa ser muito, só uma centelha.
uma centelha pode colocar fogo
em uma floresta inteira
só uma centelha.
guarde-a.

eu acho que consegui.
estou contente que consegui.
que porcaria de
sorte.
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A Marreta do Azarão
A Marreta do Azarão
2 anos atrás

Bukowski foi uma de minhas maiores descobertas literárias, depois que descobri, por acaso, o velho safado, a minha relação com o texto e a palavra escrita mudou radicalmente. Se quiser gastar um tempinho :
https://amarretadoazarao.blogspot.com/2020/08/o-ano-em-que-conheci-bukowski.html

A Marreta do Azarão
A Marreta do Azarão
2 anos atrás
Reply to  Matheus

O “Numa Fria” é uma pedida interessante.

Neófito
2 anos atrás

Olá, Mago.

Eu quis ser: jogador de futebol profissional, astronauta e, por fim, escritor. Não acertei em nenhum sonho. Hoje, sou apenas mais um do povo, um zé ninguém na fila do pão. Mas afirmo que estou de boa com isso, igual ao amigos anônimos de Bukowski. E posso achar que sou um escritor porque a Amazon me deixa publicar e vender livros em sua plataforma. Rs

“Contas começaram a chegar” e não pararam mais. Sobre compromissos, detesto essa obrigação social. Mas quase toda semana estou em alguma reunião, jantar ou aniversário. Detesto, mas faz parte e no final acabo aproveitando.

Aprendi agora a palavra/expressão dead-end job. Desconhecia.

Ótimo post, quase poético, sobre a vida do putanheiro. Não sou afim com sua obra, mas está naquela lista mental de algo a se colocar em dia.

Você pode não ser tradutor profissional, mas a tradução ficou ótima. E, aliás, o que seria tradutor profissional nos dias de hoje?

Poema belíssimo. De início, de amargura; e, ao final, de realização. Que coisa linda. Mas ainda fica aquele “quê” de ressentimento, ao final, por ele precisar resistir tanto e seus amigos terem se conformado com tão pouco, com o banal do dia a dia. E viverem felizes assim.

“vivi com as piores mulheres”… E quem nunca?

Abraços!!!

A Marreta do Azarão
A Marreta do Azarão
2 anos atrás
Reply to  Neófito

Azar de quem nunca viveu com as piores mulheres, meu caro, azar de quem…

Neófito
2 anos atrás

Olha, Marreta, ando endossando o pensamento MGTOW há um tempo (depois confere o que esses caras pensam). Não totalmente, porque sou velho demais pra mudanças e gosto de ter família etc. Mas, em regra, vínculo duradoura com mulheres só traz mais estresse do que benefícios. Se eu voltasse no tempo, evitaria 90% das mulheres com quem mantive algum relacionamento mais sério.

Neófito
2 anos atrás
Reply to  Matheus

“ a pior coisa é o martírio pelo que já passou, isso me assola as vezes.”

Isso é natural. Deve assombrar qualquer pessoa mentalmente sã, às vezes. O problema é se se tornar uma constante, aquela cobrança vazia, todos os dias, impedindo que se goze o dia a dia banal, o qual é bom. É a vida…

Compromissos sociais ficam mais intensos quando casamos e procriamos. Desde o ano passado, felizmente, não temos eventos escolares, como festinhas, teatrinhos, danças etc. Nem minha filha sente falta disso.

Sobre mulheres… Olha, até hoje só conheci um unicórnio. Namorei com ela por quatro anos. Mas, estupidamente (a culpa foi toda minha), perdi tudo devido à minha carne fraca. Sigamos.

Tenho dois amigos “extremistas” e, reconheço, estão mal psicologicamente. Vivem sós. Têm problemas sérios com mulheres. Difícil. Não aceitaram as dificuldades da vida. São dois Peter Pan. Mas, claro, poderiam estar fodidos, igualmente, se tivessem acompanhados por más mulheres. De resto, torço para esse movimento crescer, ao menos como forma de evidenciar o manginismo e a gadice. Veio como contraponto ao vaginocentrismo estatal.

A vida, meu caro… é esse troço aí. rs

Abraços!

A Marreta do Azarão
A Marreta do Azarão
2 anos atrás
Reply to  Neófito

Rapaz, nunca tinha ouvido falar. Vou dar uma olhada.

scant
scant
2 anos atrás

li a pequena autobiografia que esse doidão escreveu
ele teve uma vida de bosta desde cedo com familia problematica e prefiria vadiar a, sei lá, procurar oportunidades melhores enquanto era jovem.
a sorte dele é nao vivido essa vida antes do aparecimento da aids, caso não seria mais um anonimo.
escrever devia ser legal no passado, quando haviam leitores, hehe

scant
scant
2 anos atrás
Reply to  Matheus

“cara tão feio e fodido que traçou tanta mulher” cara, tem muita mulher ferrada, feia, pobre e carente (assim como homens).
imagine os bares na favelas – não são diferentes dos bares das areas ricas

a unica diferença é que rico tem dinheiro pra perfume, consertar os dentes e fazer dieta/musculação

psicologicamente é tudo igual

Bukowski pegava as mais feias, eu acho

devia encher a cara e mandar ver, hahahahaha

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