Enganado pela Safada!!

“Não acredito que aquela safada me enganou. Maldita seja essa Letícia!!!”

Assim berrava Marcelo ao telefone enquanto saia as pressas para trabalhar. Os vizinhos, nada entendendo, paravam para escutar os berros direcionados a Luciano, amigo de Marcelo, que, do outro lado da linha, replicava com a mais famosa frase daqueles que anteviram a desgraça alheia.

“Bem que eu avisei, Marcelão. É bom pra você ficar esperto!!”

O leitor deve estar se perguntando – Mas o que ocorreu a este tal Marcelo? – para entender precisamos voltar um pouco no tempo, cerca de uma semana antes…..

Rotina ordinária

Era uma quinta-feira chuvosa. Ao sair do trabalho, Marcelo se dirigiu a um conhecido bar para se encontrar com Luciano.

Era costume de ambos passarem as noites de quinta jogando conversa fora numa mesa de bar regada a cerveja e torresmos. Já faziam esse mesmo roteiro havia pouco mais de 10 anos, desde que saíram da faculdade e seguiram caminhos distintos de profissão. Restaram somente as quintas para relembrar os velhos tempos e trocar algumas informações sobre o presente.

Marcelo havia se formado, entrado numa multinacional e galgado a escada empresarial até o cargo de supervisor. Nesse meio tempo havia se casado, mas a união não durou muito. Foi naquele fatídico dia que, finalmente, havia saído a documentação da separação, ato que, como diriam os mais novos, colocava Marcelo “de volta na pista”.

Luciano, ao contrário, permaneceu sempre no mesmo serviço. Saiu da faculdade e começou a atuar como autônomo, nunca mais parando. Trabalhava sozinho, conforme a demanda, e sempre se gabou de nunca ter tido um chefe. Bebedor e mulherengo, nunca se casou. Naquele dia, Luciano levaria Marcelo para dar um rolê na noite.

Entretanto, Luciano estava atrasado, provavelmente devido a chuva. Foi aí que entrou em cena Letícia.

A Mulher do Vestido Esmeralda

Marcelo entrou no bar e se sentou no balcão para aguardar. Pediu uma long neck e começou a sorver o líquido refrescante.

Percebeu que ao seu lado, sozinha, estava uma linda loira. Esguia e curvilínea, nada a mais, nada a menos, nada a acrescentar, nada a subtrair. Os seios não eram grandes, mas tampouco eram pequenos, delineando uma suave protuberância no lindo vestido verde esmeralda. O mesmo poderia ser dito do quadril, das nádegas. Todos seus atributos estavam delineados e, ao mesmo tempo, escondidos, nada a mostra, exceto a elevação suave do tecido, aparentemente macio, sobre a pele.

As feições de seu rosto, de modelo europeia, eram suavizadas pelo arredondamento causado pelo acréscimo de carne, comum das mulheres sul-americanas. Seus olhos, verdes, combinavam com o vestido, dando uma forte e impactante impressão que fez Marcelo, momentaneamente, achar que estava no paraíso.

Um pouco intimidado, mas, ao mesmo tempo, curioso, resolveu abordar a moça.

“Nossa, essa chuva parece que não vai parar em…fazia tempo que não via uma tão forte assim”

“né, não! Fiquei encalhada aqui depois que a chuva começou e não consegui ir pra casa ainda. Deixei o carro duas ruas pra baixo e a chuva ficou tão forte que está impossível cruzar a calçada, parece um rio.”

“Pois é. Você mora por aqui? A propósito, me chamo Marcelo”

“E eu Letícia, prazer. Não, moro um pouco distante. Vim visitar uma pessoa aqui por perto e acabei parando aqui, quando a chuva apertou.”

Passaram quase meia hora conversando, quando a chuva começou a arrefecer. Ao final, Letícia se levantou e explicou que ia indo, pois já estava atrasada. Trocaram telefones na vã esperança de um dia se verem novamente, dado a fluidez da conversa.

E Luciano? “E nada desse desgraçado chegar”.


Luciano chegou já passava de oito da noite. Culpou a chuva pelo atraso, obviamente. Segundo ele, estava em um cliente do outro lado da cidade e pegou um baita trânsito no caminho.

Marcelo, então, contou sobre a moça. E sua descrição fez Luciano rir. Marcelo nunca havia descrito uma mulher com tantos pormenores.

“Está animado mesmo com esse divórcio em Marcelão. Primeiro dia e já tá cantando mina. Só não vá com muita sede ao pote. Hoje em dia está perigoso sair de casa, quiçá levar mulher maravilha pra casa. Coisa boa demais assim pode ser cilada.”

“É nada, cara. A mina parecia muito certa. Parecia essas gerentes de banco, gente da mais alta classe. Acho que faturei legal, melhor coisa que podia acontecer depois que a Marina me deixou e levou junto meu apartamento e uma parte das finanças.”

Continuaram conversando cerca de uma hora. Por volta das dez, Luciano disse que não conseguiria mais encompridar o encontro pois precisava dormir, dado que no outro dia atenderia outro cliente distante que marcara uma vistoria logo pela manhã.

O Encontro Inesperado

Marcelo mandou uma mensagem para Letícia somente na segunda-feira.

Passou o final de semana tentando encontrar alguma imperfeição na tal mulher, conforme havia alertado Luciano. Entretanto, só pensava na beleza, no andar, no vestido, na magnificência daquela mulher.

Mas que homem apaixonado (ou seduzido, ao menos) encontraria qualquer resquício de maldade, qualquer vestígio do perigo em seu objeto de contemplação. Nenhum, eu diria.

Naquela segunda, depois de muito escrever, apagar e reeditar o texto que enviaria, Marcelo mandou um simples e seco “Oi”, acompanhado de uma descrição nada emocionante de quem era. Algo como:

“tudo bem? Sou o Marcelo. Nos encontramos na quinta passada naquele bar em que você ficou ilhada, se lembra? Gostei muito da nossa conversa e queria saber se você não estaria interessada em sair neste final de semana?”

Marcelo matutou e pensou “cara, sou muito estúpido, esse texto ficou muito ruim. Devia ter falado outra coisa, ou talvez ter ligado…”. Pensou em excluir a mensagem e tentar uma nova abordagem, foi quando o celular apitou.

Era a resposta de Letícia. “Claro que me lembro, Marcelo. Também gostei da nossa conversa. Podemos sair no sábado? Sexta já tenho compromisso.”

Marcelo estufou o peito. A mensagem, que até então era ruim, havia surtido efeito. Letícia respondera.

A Caminhada, a Noite de Núpcias e o Chá de Cinderela

Ah, o amor. Ou o romance, ao menos. Nada supera uma maldita semana enamorado. Marcelo não parava de pensar em Letícia. Nos intervalos de seu trabalho matutava sobre como seriam as falas, quais seriam os tópicos das conversas e como correria e terminaria aquele fatídico sábado por vir.

Tudo parecia bom. O mundo parecia ter mais cor. O trabalho extra não importava, estava anestesiado.

Tudo em vão. Prever não é habilidade do homem e, geralmente, nada previsto neste campo sai como esperado. Marcelo se preparava para o impreparável. Mal sabia ele que Luciano tinha razão….


Naquele sábado, ao acordar, correu no parque.

Passou a melhor camisa que tinha e uma jeans que ainda não havia saído do armário. Letícia parecia ser uma mulher de classe, então optou pelos sapatos ao invés dos tênis.

Próximo do horário, saiu a pé em direção ao metrô e foi até a estação onde ocorreria o encontro.

Letícia estava deslumbrante. Vestida num vestido parecido ao da noite anterior, mas um pouco mais folgado, cor rouge, que quando caminhava parecia rodopiar em seu entorno.

Caminharam e muito conversaram sobre banalidades, sobre a vida, sobre tudo que viesse a tona. Até parecia que Letícia era psicóloga ou coisa do tipo, pois parecia saber conduzir conversas para o lado emotivo e deixar Marcelo confortável. Andaram até um restaurante que Marcelo muito gostava e lá fizeram uma refeição.

Já era por volta de dez da noite quando resolveram terminar aquela noite tomando uns drinks na casa de Marcelo.

Ao chegarem, Marcelo tentou mostrar suas habilidades em preparação de gins & tônicas, que dizia ser um ótimo drink para refrescar. Depois de dois goles no afrodisíaco se engataram aos beijos.

Foram se amontoando até chegarem no sofá. Letícia então se levantou e disse que ia a cozinha “rapidinho” colocar um pouco mais de gin. Voltou despida do vestido.

Por baixo estava com uma lingerie da mesma cor do vestido, da cor do pecado, que fez o coração de Marcelo bombear sangue para todas as partes, a todo vapor, a toda pressão possível.

Letícia, então, trouxe a bebida e ofereceu a Marcelo: “Bebe um pouco, você parece um pouco nervoso, isso aqui vai te dar uma relaxada”.

Então bebeu, e bebeu com gosto. Precisava relaxar. Mal sabia que relaxaria até demais. Beijou Letícia um pouco mais, apalpando tudo que podia, foi quando sua visão começou a ficar turva e, de repente, tudo ficou negro…..

Enganado pela safada!

Acordou no outro dia desnorteado. O que acontecera??

Levantou, foi ao banheiro e, ao lavar o rosto, lembrou que ontem estivera com Letícia. Lembrou dos detalhes na lingerie. Lembrou que ela devia estar na casa e, animado, foi procurá-la.

Foi então que percebeu algo estranho. A casa parecia muito revirada e não havia nem sinal da mulher.

Foi até o quarto e viu o que jamais planejou ter ocorrido naquela noite. Seu cofre aberto, cerca de 5 mil dólares que estavam guardados para uma viagem levados. Seus dois relógios Casio haviam sumido. Até o Garmin minimalista que usara na noite anterior havia sido surrupiado de seu pulso.

Letícia levara tudo. Pior, depois de perder metade do patrimônio para sua ex-mulher, perdera para essa safada muito mais que uns 10 mil em objetos. Perdera sua dignidade.

“Maldito Luciano e suas previsões. Fui enganado por essa safada!!”

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scant
scant
2 anos atrás

pena q o personagem não perdeu um rim e acordou numa banheira no banheiro ligado no soro na veia, ahahahaha

Blog do Neófito
2 anos atrás
Reply to  scant

Antes de chegar ao final da história, pensei logo em roubo de órgãos! Ao menos foram dois relógios vagabundos (até onde sei, pois não entendo de relógios, nem os uso) e um mais ou menos.
Mas o que dizer? Marcelo é boizão. Encanta-se fácil por moçoilas de rua e as leva logo à sua casa. E ainda não mantém seu copo sob suas vistas! Levou fumo no divórcio e se não tivesse sido roubado logo, seria no próximo divórcio.
Na linguagem “atual”, Luciano tomou a red pill. Marcelo ainda é um pobre gado!
Ótimo conto!
Abraços!!!

Blog do Neófito
2 anos atrás
Reply to  Matheus

Oito mil num Casio! Ando mesmo por fora desse mercado.

Alguns redpillados parecem extremos. Creio que vale a pena tentar ter alguém, seja num relacionamento hétero ou gay, tanto faz. Alguns dão certo. Quando me separei de minha primeira esposa, ela não encrencou com nada e ainda hoje somos amigos. Quando ela viaja, às vezes olho os cachorros dela. Mas, claro, mulher é um RISCO e por isso entendo os caras.

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