Uma História de Caça-Níqueis

Ao lado do Boteco havia uma fábrica de gesso. Gesso do seu Manuel, ou coisa parecida (não lembro ao certo), era como se chamava.

Os trabalhos eram fartos naquele tempo e o dinheiro não era uma grande preocupação do português que, hora sim, hora não, deixava seus funcionários sozinhos e parava seu zeloso ofício para tragar “umazinha” no bar vizinho.

Foi por volta de meio dia quando seu Manuel se sentou no balcão.

Ao tragar sua segunda dose de cachaça um pensamento passou por sua cabeça.

“É hoje que tiro o prêmio dessa máquina maldita”

Então sacou moedas e começou. Seus prestativos funcionários continuaram o trabalho enquanto o chefe batalhava incansavelmente pelo esperado prêmio.

Foi por volta de duas da tarde quando acabou o dinheiro do bolso.

Então solicitou ao prestativo atendente do boteco que desligasse a máquina, pois o prêmio seria dele, “ainda hoje”, dizia.

Saiu como um furacão em busca de mais fichas. Enquanto isso, a todos os outros jogadores o atendente bradava “hoje a máquina não está funcionando, deu pau e, aparentemente, só vão arrumar amanhã”, ao que se voltavam indignados e incrédulos.

Duas horas depois Manuel retorna. Brada para que liguem a máquina, saca uma sacola cheia de moedas e começa novamente a jogar.

Joga, joga e joga mais uma vez. Nem o mais fervoroso dos funcionários acredita que o prêmio sairá.

Só por volta de 22 h, próximo do fechamento do bar, é que a máquina cospe o prêmio. 900 reais.

Nunca houve homem mais feliz nesta terra. Manuel bradava “eu disse que venceria essa máquina de merda”, com toda sua corpulência se voltou para a copa e pediu para baixar uma dose para comemorar a vitória.

Após o fechamento, tendo todos os clientes do bar voltado a suas casas, o atendente foi averiguar quanto a máquina tinha faturado no dia. Como só Manuel havia jogado, ali estaria a prova de que o prêmio teria valido a pena. O resultado? 4500 reais.

Seu Manuel venceu, mas a duras custas.


Uma crônica de tempos passados

Algumas maquinetas.

Até pouco tempo atrás, um pouco mais de 15 anos, as ruas eram lotadas de caça-níqueis. Os botecos, bares e bingos clandestinos de velhinhas eram abarrotados com essas máquinas enormes que se confundem muito com fliperamas, vistas de longe.

As máquinas são acionadas através da introdução de uma moedinha no orifício (por isso, acredito, segundo o wikipedia, em espanhol se chamam tragamonedas). Após, aciona-se uma alavanca que faz girar um mecanismo que altera as imagens na frente da máquina. O objetivo é acertar as combinações previstas, angariando assim um prêmio em dinheiro.

Fato é que histórias de máquinas caça-níqueis são bem difundidas, engraçadas e têm um teor de magia, já que, assim como loterias, dependem da sorte de pegar a hora que a máquina está próxima de cuspir o prêmio. Os enredos são vários: são máquinas que pagam o prêmio para um sortudo que jogou depois de um outro que gastou tudo e faliu jogando. Máquinas que levam a bancarrota gente que tinha muita grana. Gente que ganha o prêmio e perde logo em seguida.

Uma das lembranças da minha infância eram dessas máquinas. Quando eu era pequeno meu pai era dono de um boteco e lá haviam três dessas máquinas. Hoje, olhando pra trás, acho que essas máquinas são exemplos do que a falta de moderação pode fazer a alguém, do problema que um vício pode se tornar para uma pessoa. Também são exemplos da realidade nua e crua, onde, aparentemente, nem sempre as coisas acontecem ao acaso, mas estão já traçadas com base em algo ou em vieses. Geralmente a máquina soltava o prêmio após uma quantidade de partidas pré-programadas, todo mundo sabia disso, mas continuavam jogando, como se a sorte fosse tudo que precisassem.

Aparentemente, também segundo o wikipédia (pois não sou jurista e não sairei pesquisando demasiadamente sobre leis que não me competem), o jogo de azar é proibido no Brasil desde 1946. O então Presidente, Eurico G. Dutra assinou o decreto nº 9.215, temendo pela capacidade de controle mental de jogatina do homem brasileiro de tomar seus próprios riscos com seus colhões, e reinstaurou o artigo 50 da lei nº 3.688, de Contravenções Penais, em todo o nosso território, proibindo cassinos, bingos e o famoso jogo do bicho. (Não que alguém cumpra isso)

Na minha procura não achei ao certo se existe alguma lei específica para as caça-níqueis. Elas são jogos de azar, mas existiam aos montes até pouco tempo atrás. Aparentemente, surgiram aos montes na esteira da Lei Pelé, de 98. O então Ministro do esporte, o Rei do futebol, puxou a lei com artigos que permitiam bingos, artigos estes que seriam revogados nos anos 2000. Única menção que achei em SP foi o projeto de lei 184/2003, feito pelo Romeu Tuma, que proibia a instalação das máquinas em bares e restaurantes, mas foi declarada inconstitucional, dado que as leis federais já proíbem os joguinhos.

De qualquer forma, acho que as máquinas continuaram por um bom tempo a habitar estes recintos. Talvez o medo causado pelas liminares tenham sido suficientes para expurgar as maquinetas de praticamente todos os locais no decorrer do tempo, vai saber.

Fica a crônica, um conto, uma história daqueles tempos, quando tudo parecia mais lúdico, os carros ainda eram mais próximos de carroças e os telefones celulares e computadores eram embriões. E mesmo assim, o homem já jogava.

Abraços e até a próxima!

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Neófito
3 years ago

Olá, Mago!

Começou com um conto, concluiu com crônica de tempos idos.

Nunca joguei nestas máquinas. Algumas pessoas, num golpe de sorte, podem se dar bem. Depende da programação. Meu cunhado já ganhou na pura sorte, sem gastar demais. Isso pode ocorrer. Mas a regra é clara: a máquina não perde nunca.

Tenho um colega de bairro que ganhou 16 mil reais há uns oito anos na raspadinha. Esta, hoje, é proibida. Mas antes eram comuns nas lotéricas. Ele nunca jogava. Mas recebeu um raspadinha de troco e foi contemplado.

Como você bem disse, o problema é o vício, a falta de controle, o impulso que tudo domina. Espero que o seu Manoel tenha sossegado, caso contrário estará arruinado atualmente (acaso ainda vivo).

Também não sei como anda a legislação a respeito. Por ser um jogo de azar, apenas a União pode exercer seu monopólio. Logo, mesmo sem lei específica, são proibidas, assim como bingos. Mas ainda existem bem escondidas. Conheço dois bares que as mantém nos fundos.

E sim. Os homens sempre jogaram e jogarão.

Sou plenamente favorável a cassinos, fiscalizados e regulamentados. Ajudariam no desenvolvimento de regiões pobres, com turismo. Véios ricos viajariam apenas para perder grana. Os recursos seriam bem aplicados na geração de empregos (bares, hotéis, estrutura do próprio cassino e até mesmo na prostituição).

Muitos alegam que haveria lavagem de dinheiro e fomento do turismo sexual. Dinheiro de ilícitos é só que há no Brasil. Doleiros estão aí para isso, para lavar tudo. Ou a grana foi para paraísos fiscais. Prostituição é o mercado mais antigo no planeta. Ao menos as rameiras teriam cachês maiores. Mas o Brasil é o país do faz-de-conta. Faz de conta que, sem cassinos, não haverá lavagem de dinheiro nem prostituição.

Abraços!

Neófito
3 years ago

Ah, atualmente está BEM em alta a aposta esportiva. Não compreendo como são autorizadas. É tudo eletrônico, com recibo fiscal de aposta etc. Pelo que compreendi, as casas compram cotas oficiais para revenda… Quem entrou no ramo está bem de vida!

Neófito
3 years ago
Reply to  Matheus

Dependendo do nível da coisa, os já pobretões não teriam grana nem para pisar em cassinos! Mas, claro, são riscos. De qualquer forma, já temos gente apostando no bicho, bingos, esportes e loteria federal. Só mudariam o foco do vício!

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