De todos os poemas que já li de Bukowski (em especial os da coleção The Last Night of The Earth, única edição poética que tenho em formato físico e que meu gato fez questão de morder no topo), esse foi um dos que mais me tocou.
Devo confessar que a primeira vez que li esse poema foi no site Zen Pencils, que era um site idealizado por um desenhista australiano chamado Gavin recheado de frases e poemas em formato de cartoon com algumas histórias como background (vale a pena conferir). Infelizmente, hoje o site não está mais sendo atualizado devido a mudanças nos objetivos carreirísticos do autor e esse cartoon-poema, em específico, foi retirado do site devido a uma solicitação da HarperCollins, editora que publica Bukowski.
Anteriormente, no poema Spark, falei um pouco sobre a vida de Hank e como ele perseverou. Air and Light and Time and Space fala de um problema que é crucial pra mim e, acredito, é também para muitas pessoas.
Postergar algo esperando o melhor momento, a melhor situação, a melhor alguma coisa.
Talvez Bukowski jamais viesse a se tornar quem foi se achasse sempre algo que o impedisse de escrever esperando a melhor hora, um melhor emprego e coisas do tipo.
Consigo pensar em várias vezes em que deixei algo para depois por achar que não era o melhor momento, pois eu precisava ter algo que não tinha, precisava ganhar experiência, precisava comprar algo para me auxiliar, precisava ficar mais esbelto, ganhar mais confiança, precisava estar mais descansado, etc…
Sempre que algo assim ocorre tendemos a culpar algo ou alguém: Não consegui escrever pois tive que levar meu cachorro no veterinário. Não consegui estudar pois cheguei cansado do trabalho, maldito chefe que vive me passando hora extra. Não consegui terminar meu trabalho da faculdade pois não tive tempo essa semana (quem nunca disse isso, que não teve/têm tempo??).
A verdade é que, quem quer faz, ou, pelo menos, vai atrás.
Não existe caminho fácil e o trabalho árduo e solitário, muitas vezes, é o único caminho.
Essa lição é importante, pois na maior parte do tempo em nossas vidas, nossos principais objetivos serão traçados enquanto estamos cansados após o trabalho, enquanto não temos dinheiro em abundância, enquanto nossos vizinhos não se importam por querermos estudar e continuam fazendo barulho.
E, mesmo assim, precisamos achar soluções, precisamos seguir em frente. Nossas vidas são desenhadas, na maior parte do tempo, em meio ao caos. Não existe hora certa. Não existe o momento certo. Tudo que existe é o agora e você. E se não perseverarmos no agora, avançando independentemente de fazermos a passos curtos, todos os dias, não haverá progresso.
E então viveremos sempre de possibilidades, de talvezes.
Talvez eu tivesse aberto minha empresa, caso não tivesse me casado tão cedo.
Talvez eu tivesse terminado de estudar engenharia, mas meu trabalho de soldador era desgastante e não terminei o curso.
Talvez eu tivesse escrito um livro, mas nunca tive tempo de começar….
E, talvez, se adiante conseguirmos tirar todos os problemas de nossas costas, sentados em um grande estúdio, com a luz de maior luminância e com o espaço mais amplo possível, só então perceberemos que tudo que era preciso era ter começado e, com vergonha, encontraremos uma nova desculpa para postergar (pois talvez a posição dos móveis não esteja correta, ou a cortina esteja impedindo a luz de chegar corretamente a mesa, ou talvez eu seja muito velho para começar, ou ……).
Air and Light and Time and Space – Bukowski
”– you know, I’ve either had a family, a job, something has always been in the way but now I’ve sold my house, I’ve found this place, a large studio, you should see the space and the light. for the first time in my life I’m going to have a place and the time to create.” no baby, if you’re going to create you’re going to create whether you work 16 hours a day in a coal mine or you’re going to create in a small room with 3 children while you’re on welfare, you’re going to create with part of your mind and your body blown away, you’re going to create blind crippled demented, you’re going to create with a cat crawling up your back while the whole city trembles in earthquake, bombardment, flood and fire. baby, air and light and time and space have nothing to do with it and don’t create anything except maybe a longer life to find new excuses for.
Tradução do Poema
Tradução feita por mim, sem nenhum compromisso estilístico ou literário.
Desconsidere pequenos erros, pois não sou tradutor profissional.
Também, como aviso sempre, o poema pode não ter uma sonoridade tão boa em português, já que foi escrito em outra língua, mas fica a tentativa.
”-sabe, sempre tive família, o trabalho, sempre havia algo no caminho mas agora vendi minha casa, encontrei esse lugar, um grande estúdio, você deveria ver o espaço e a luz. pela primeira vez na minha vida vou ter um lugar e tempo para criar.” não, bebê, se você vai criar você vai criar seja trabalhando 16 horas por dia numa mina de carvão ou você vai criar em um quarto pequeno com 3 crianças enquanto vive de assistência social, você vai criar com parte da sua mente e de seu corpo destruídos, você vai criar estando cego, deficiente, demente, você vai criar com um gato subindo em suas costas enquanto a cidade inteira balança em terremotos, bombardeios enchentes e fogo. bebê, ar e luz e tempo e espaço não tem nada a ver com isso e não criam nada exceto, talvez, uma vida longa para encontrar novas desculpas.
Olá, Mago.
Lembrei agora de Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Você se sai um belo tradutor. Já pensou em trabalhar esporadicamente na área? Falo isso porque percebo que muitos tradutores atualmente não são leitores. É o que me parece. Acho que precisamos de tradutores leitores e que se dão ao trabalho, também, por paixão.
A sonoridade é sempre um problema em traduções poéticas. E não há como solucionar isso, penso. Sempre algo será sacrificado.
Dei uma conferida no site e vi belos pôsteres à venda.
Já tive livros estragados por gatos. Um deles até raro, de certa forma. Mas tanto faz. Dá uma chateação inicial, mas depois a gente se acostuma a olhar o troço detonado.
Abraços!
Olá, Neófito. Como vão as coisas por aí?? Espero que tudo joia.
Essa frase do Vandré é muito bonita, não conhecia. Procurei aqui e é da música (Pra não dizer que não falei das Flores), achei ela bonita, me lembra do sertão, aquelas cantigas de cantoria.
Não sou muito conhecedor de música, mas adicionei aqui. Meu pai conheceu na hora quando o computador disparou a voz kkk
Quanto a tradução, nunca procurei fazer profissionalmente. Tradução profissional é muito chato e maçante, penso. Se fosse um autor que eu gostasse muito, até aceitaria fazer algo, mas como não tenho um diploma na área, dificilmente alguém me jogaria nesse meio, ainda mais para tradução literária. A tradução documental é pior ainda. São termos muito específicos de quem atua na área. Creio que a única possível tradução recebendo dinheiro que eu pudesse fazer fosse de algo de engenharia.
Poemas, creio, devem ser lidos na língua materna deles. Infelizmente, é impossível saber todas as línguas do mundo e em algumas delas se faz necessário tradução, mesmo que sob pena de perder a sonoridade e parte do entendimento. Sempre pensei o mesmo da literatura. Acho que a tradução traz os vieses do cara que traduz, já que ele, muitas vezes, não vive no meio, no universo, no ambiente, em que o texto foi criado.
Zen Pencils foi um site que me trouxe vários insights. Muito bom.
Gatos, quando nada se mexe eles farão mexer. É triste para o livro, mas nada mais comum para o gato.
No fim, é tudo papel mesmo….
Abraços.
Vandré possui uma história de vida interessante. Compôs esta canção contra a ditadura militar. Já mais maduro, percebeu que estava lutado não apenas contra ela, mas para colocá-la outra em seu lugar. Garoto ingênuo. Meio que desiludiu com a vida no decorrer dos anos e se resguardou no ostracismo. Dele também é “Disparada”, a que mais gosto.
Meu irmão é engenheiro (materiais) e sua biblioteca é quase toda em inglês. Parece não haver intenção em se traduzir tais volumes.
Nunca tive muito prazer na poesia estrangeira. A perda é grande. De certa forma, estamos lendo o tradutor, nunca o autor original.
O problema do “se tornar profissional” é que se perde parte do prazer.
Abraços!
“percebeu que estava lutado não apenas contra ela, mas para colocá-la outra em seu lugar.” É o famoso nunca diga nunca. Infelizmente, geralmente acontece com todos algo do tipo. Vou escutar essa Disparada, pois Vandré é uma nova descoberta pra mim.
“Parece não haver intenção em se traduzir tais volumes” Até penso que têm bastante coisa em português, principalmente livros didáticos. Mas, ainda assim, prefiro ler em inglês, também. Geralmente para se inteirar dos termos na língua inglesa, que hoje são muito importantes. Mas coisas muito específicas, realmente, é difícil de achar em português.
“perde parte do prazer” Disse tudo. Acho que muitos hobbies devem permanecer assim, se não estraga. É igual amigos que querem virar namorados, vai dá merda, é cilada.
Abraços!!
gostei da tradução (não q eu possa avaliar tecnicamente)
acho q as pessoas nao criam pq nao querem
a maioria nem vê isso como uma possibilidade
“não q eu possa avaliar tecnicamente” Eu tampouco poderia kkkk
Faço a tradução como se fosse eu lendo, não conheço muito de poesia na teoria, apesar de ter um interesse em algum dia ler sobre.
(tenho uma leve impressão de que vou achar um assunto muito chato, igual aulas de português na escola)
As vezes, mesmo fazendo sem saber, sai algo bom. Fico feliz que tenha gostado =D
Quanto ao não criar, realmente, acho que depende muito do indivíduo.
Bukoswki provavelmente falava do escrever, da tentativa de achar a melhor situação para parir uma história.
Mas acho que falhamos, muitas vezes, nesse mesmo tema em fazer coisas que estão ao nosso alcance, não necessariamente artísticas, coisas que criamos desculpas para não fazer, mesmo querendo (ou achando que quer, vai saber).
Abraços!!