Covas e aquilo que todos faríamos no berço da morte

Depois de tantas incertezas sobre a vida, a felicidade de levar o filho ao estádio tomou uma proporção diferente para mim. Ir ao jogo é direito meu. É usufruir de um pequeno prazer da vida…se esse é o preço a pagar para passar algumas horas inesquecíveis com meu filho, pago com a consciência tranquila.

Bruno Covas.

Não pensava em publicar outro post nesta semana, mas, durante o dia de hoje, estava com meu pai assistindo ao jornal televisivo e vi essa fala.

Para quem não sabe, ontem, o Prefeito de São Paulo, Bruno Covas, entrou em estado irreversível de seu câncer no sistema digestivo e não mais poderá sair do hospital.

Não importou estar em um dos hospitais mais renomados do Brasil (Sírio-Libanês), sendo cuidado pelos médicos mais prestigiados e estudados de nosso país. Quando a morte está em seu encalço, nada mais pode te salvar. E a Covas, infelizmente, pairou o pior tipo de morte, na minha concepção, aquela que ocorre lentamente, te destruindo pouco a pouco, enquanto você se vê definhar (não desejo isso a ninguém, nem aos piores inimigos).

Bem, mas a mídia veiculará sobre o fim de Covas somente durante esta semana, que o assunto está fresco, e como o assunto do momento também é pandemia, a Globo News fez questão de lembrar que Covas foi visto no Maracanã na final da Libertadores do ano passado, como que um lembrete para que ficássemos em casa.

Não tenho nada contra Covas (como pessoa), que, nascido e crescido em uma das famílias políticas mais ricas de São Paulo, nasceu, estudou e cresceu já destinado a ser um político, com todo o prestígio e pompa, assim como seus pais e avôs. Covas não morreu de Covid. Covas morreu de câncer, após fazer uso das terapias mais caras disponíveis nos hospitais mais caros possíveis.

Dar a entender que Covas tenha sido displicente em ir a um estádio com seu filho é uma verdadeira balela. Num país onde, desde o início, quase ninguém respeitou essa política de “fique em casa”, onde festas e funks rolam soltos todos os finais de semana, onde metrôs continuam abarrotados de gente nos horários de pico, onde até os velhos continuam a frequentar bingos e cassinos normalmente, ir a um estádio com pessoas selecionadas, talvez todas testadas, gente endinheirada que pouco se importa com as massas, foi o ato único de Covas contra as leis pandêmicas que nos assolam.

Depois de infindáveis sessões de terapia, tendo que fingir para meio mundo que estava tudo bem, que a morte não estava próxima, Covas decidiu mandar a merda tudo e todos (mesmo sabendo que sofreria represálias), e pediu mais 3 dias de folga para passar com seu filho. Em um desses, foi ao estádio do Maracanã, assistir ao seu time de coração na final da Liberta com seu filho.

Eu, como santista que sou, entendo o sentimento de Covas, a primeira vez que fui com meu pai ao estádio até hoje é uma lembrança boa. Talvez, tudo que ele quisesse, fosse deixar essa lembrança em seu filho. Lembrança que talvez este último poderia ver poucas vezes na vida, a de ir num estádio em uma grande final com seu pai.

No final, Covas fez aquilo que todos dizem que queriam ter feito quando estão definhando em seus leitos de morte. Mandar a merda tudo e todos !!!! deveria ter aproveitado a vida, vivido mais e pensado menos no que os outros diriam.

Segue, abaixo, a frase completa que Covas teve que escrever quando a mídia caiu em cima dele após o jogo:

Depois de 24 sessões de radioterapia meus médicos me recomendaram 10 dias de licença para recuperar as energias. Isso foi até a última quinta (28/01). Resolvi tirar mais 3 dias de licença não remunerada para aproveitar uns dias com meu filho. Fomos ver a final da libertadores da América no Maracanã, um sonho nosso. Respeitamos todas as normas de segurança determinadas pelas autoridades sanitárias do RJ. Mas a lacração da Internet resolveu pegar pesado. Depois de tantas incertezas sobre a vida, a felicidade de levar o filho ao estádio tomou uma proporção diferente para mim. Ir ao jogo é direito meu. É usufruir de um pequeno prazer da vida. Mas a hipocrisia generalizada que virou nossa sociedade resolveu me julgar como se eu tivesse feito algo ilegal. Todos dentro do estádio poderiam estar lá. Menos eu. Quando decidi ir ao jogo tinha ciência que sofreria críticas. Mas se esse é o preço a pagar para passar algumas horas inesquecíveis com meu filho, pago com a consciência tranquila.

Bruno Covas

Se a morte estivesse em meu encalço e tivesse essa mesma escolha, teria feito o mesmo.

(requiescat in pace)

Subscribe
Notify of
guest
6 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Neófito
2 anos atrás

Olá, Mago.

Seu relato é interessante num ponto: você tinha muito lixo. Tralha inútil, mesmo: aulas que nunca seriam vistas, notas fiscais, lembrancinhas sem uso (algumas ficam bem numa prateleira) etc. Este tipo de lixo não tem espaço em minha casa. Tenho muita “tralha”. Mas tralha boa: objetos que servem para decoração e afagam a memória afetiva, quadros (muitos e muitos), artesanato, bonecos colecionáveis, livros, gibis etc.

O minimalismo extremo me parece, às vezes, o extremo do acumulador e não parece saudável. Uma casa pede objetos, pede beleza à sua volta. Tenho muitos móveis. Todos são úteis. Alguns, aliás, considero obras de arte, pois foram feitos à mão.

Acho que tudo se encaixa nisso: “Eu desconto disso coisas colecionáveis e coisas para melhorar a qualidade de vida”.

Sobre roupas, evitarei comprar por um bom tempo. Tenho muita coisa ainda na etiqueta, mas compradas devidos a promoções. E porque minha esposa me deu uma “pressão” para eu ter mais roupas. Realmente, eu estava andando apenas com duas calças e poucas camisetas há alguns anos… Já fui quase um indigente em termos de roupas, sem exagero. As atuais serão utilizadas com o passar dos anos, em resumo.

Sobre livros científicos, doei-os há anos e anos. Sabia que nunca mais seriam relidos. Aliás, ficam desatualizados logo. Tb doei muita roupa em bom estado, gibis e alguns livros. Onde moro, não vale a pena vender. Não acharei comprador. E ML, Estante Virtual e sites similares acabam sendo complicados para mim: Correios etc.

Minha esposa tem um sistema bom: bazares de mulheres, virtuais. Elas vendem muitas roupas femininas e infantis por lá. E trocam acessórios. Seria legal doar roupas de minha filha. Mas pesa no bolso. As roupas e calçados são bons. Custam caro. E ela usa pouco, pois está com apenas seis anos e crescendo. Às vezes, ela vende três sandálias e compra uma nova. E também já compramos, das amigas delas, roupas de meninas. Então está dando certo.

Sobre “Não acho que esse post sirva para muita coisa” serve, sim. Não sou minimalista, nem pretendo sê-lo. Mas pensar sobre o assunto nos ajuda a não acumular tanto. Isso não é mesmo saudável.

Há uns anos, escrevi algo curto a respeito: https://www.xn—blogdonefito-7hb.com/2017/05/minimalismo-de-boutique.html.

Hoje, é moda falar em consumo. Mas também rola muita hipocrisia. Estes dias, vi este vídeo sobre o assunto: https://www.youtube.com/watch?v=aOR-u6VH_UI

Abraços!!!

Olá, Mago.

Vi a notícia sobre seu estado irreversível e é muito triste imaginar alguém sendo devorado, vivo, pelo câncer. Eu já teria desistido de tratamentos e talvez abreviasse tudo.

Sobre: “a Globo News fez questão de lembrar que Covas foi visto no Maracanã na final da Libertadores do ano passado, como que um lembrete para que ficássemos em casa”. Penso que o problema com isso foi ele ter trancado uma cidade e ido ver um futebol. Mas a Globo News é canalha e quis mesmo falar foi de Covid.

Não me emocionei muito com suas palavras sobre o filho etc. Veja bem. Conheço um Desembargador-Federal que está sendo comido por câncer. Ele cheira a morfina. Poderia largar o osso e ir pescar, aproveitar os netos etc. Mas não larga o osso porque pensa em quem ocupará sua vaga do quinto (vaga destinada aos Advogados) e como ficará seu trânsito político. Ele é muito vaidoso. Gosta que batam à sua porta, pedindo audiências, agradando-o, chamando-o de Excelência etc. O cara não larga o poder, mesmo estando só um projeto de ser humano.

Covas poderia ter aproveitado sua sobrevida em família, há anos. Mas a ânsia por poder e roubar não deixou.

Cara, posso estar MUITO ERRADO nesta avaliação. Mas é o que parece.

Abraços!

Neófito
2 anos atrás

Olá, Mago.

Vi a notícia sobre seu estado irreversível e é muito triste imaginar alguém sendo devorado, vivo, pelo câncer. Eu já teria desistido de tratamentos e talvez abreviasse tudo.

Sobre: “a Globo News fez questão de lembrar que Covas foi visto no Maracanã na final da Libertadores do ano passado, como que um lembrete para que ficássemos em casa”. Penso que o problema com isso foi ele ter trancado uma cidade e ido ver um futebol. Mas a Globo News é canalha e quis mesmo falar foi de Covid.

Não me emocionei muito com suas palavras sobre o filho etc. Veja bem. Conheço um Desembargador-Federal que está sendo comido por câncer. Ele cheira a morfina. Poderia largar o osso e ir pescar, aproveitar os netos etc. Mas não larga o osso porque pensa em quem ocupará sua vaga do quinto (vaga destinada aos Advogados) e como ficará seu trânsito político. Ele é muito vaidoso. Gosta que batam à sua porta, pedindo audiências, agradando-o, chamando-o de Excelência etc. O cara não larga o poder, mesmo estando só um projeto de ser humano.

Covas poderia ter aproveitado sua sobrevida em família, há anos. Mas a ânsia por poder e roubar não deixou.

Cara, posso estar MUITO ERRADO nesta avaliação. Mas é o que parece.

Abraços!

Neófito
2 anos atrás

Estou com problemas para comentar aqui. Não sei o que é. Na postagem anterior, não está indo nada. Até inseri o mesmo comentário aqui para testar, sabendo que vc poderia apagar depois se fosse duplicado. Mas novamente não foi. Acho que se deve ao fato de conter links…

Neófito
2 anos atrás

“É bem parecido com o aposentado que, tendo trabalhado a vida inteira loucamente, quando para de trabalhar, morre”

É importante se ter em mente como ocupar o tempo, acaso vivamos bastante. Quase todo mundo se acomoda a rotinas que envolvem compromissos e pequenas burocracias. Trabalho com pessoas perto dos sessenta anos que não veem filmes, séries, nem leem porcaria alguma. Isso é preocupante. Não cuidam de um vaso de planta e não dão ração a um gato doméstico. Se viverem para se aposentar, estarão ferrados.

De qualquer forma, acho que não haverá aposentadoria para ninguém no futuro próximo.

Sou apoiador do atual Governo. Deixo isso bem claro. Mas até pessoas que não são percebem claramente que os velhos sistemas de Poder querem foder o sujeito.

Vi que agora apareceram as mensagens. E bagunçou tudo!

Abraços!

6
0
Would love your thoughts, please comment.x